terça-feira, 28 de dezembro de 2010

mauá - desbunde

Visconde de Mauá continua um pequeno paraíso, como se fosse um país miniatura fundindo três estados, três sotaques. Mesmo que sua estrada de acesso dê algum medo com as chuvas, mesmo que sua imponência hídrica se torne algo comum ao viajante e ao morador local, ao trillhar ramificações tão generosas. Qualquer artificialismo do comércio não impede a glória e a dádiva dos banhos, das plantas e dos animais nos locais mais simples e afastados. Ali, a vida pode se tornar sempre presente, um presente respirado de prazer,  tanto no sentido objetual quanto temporal. Àqueles que puderem visitar, uma dica é alugar, por exemplo, um chalé do Mineiro, lugar extremamente honesto, no vale de Santa Clara. Pequenas casinhas em meio a uma linda orquestração de bichos e plantas, próximas a lindas cascatas. Quero morar num local assim um dia.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Almeida Prado professor

Há duas semanas morreu um dos nossos melhores compositores, Almeida Prado.
Se a produção é grande e oscila bastante, o que fica forte na minha memória é sua sensação de fé na criação, no sentido amplo de ambas as palavras, e muito além de seu catolicismo fervoroso ou da música.
Existe um certo consenso de que as Cartas Celestes formam sua obra mais
expressiva,  mas talvez seja simplesmente a mais impressionante, pelo fato de ter sido um pianista excelente. Era uma pessoa bastante engraçada e apaixonada. Grande contador de histórias.
Suas aulas eram geralmente shows ao piano, histórias vividas, com bem pouca prática de escrita.
Ele mostrava que, de alguma forma, é no nosso "âmago" que a composição deve nascer, não das aulas
de um professor.
Enquanto os pianistas mais ortodoxos sempre observavam  que suas Cartas
viravam outra coisa a cada vez que tocava, pouco a ver com o que havia escrito,
os estudantes de criação viam isto com olhos diferentes, viam diante deles que o processo de criação
é basicamente isto.
Nunca me esqueço da sua descrição do anjo da guarda, pois descreveu o que eu havia visto antes, tendo por testemunha meu grande amigo Cesar B. Isto foi motivo de duas semanas de piração pessoal.
O que mais nos marcava não era algum aprendizado de composição, mas um aprendizado de como viver
a criação musical de forma devocional e apaixonada.
Fica aqui nosso sentimento e nossa admiração.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

uso de filosofias

Depois de discutir alguns temas com um grande amigo, sinto que um dos problemas sérios da elite intelectual atual é o usar filosofias ou até "ciências" recentes para justificar práticas supostamente "sociais" sem, de fato, agir para o benefício de quem precisa mais. Um intelectual querer  permanecer no gabinete?Sem problemas. Há diferentes formas de trabalho. Depois de deixar  o trabalho na periferia, decidi agora entrar no gabinete por um bom tempo. Mas é preciso ser honesto, há quem use discurso como estratégia de marketing social e quem use para de fato tentar compreender e agir onde é necessário. Com o uso de filósofos recentes, isto acontece a torto e a direito.  Um seguidor pode até usar seus conceitos livremente e fazer belos discursos. O problema não está apenas na deturpação dos conceitos a partir de um uso mais livre, mas na forma como eles são usados para justificar práticas individualistas camufladas com enfeites sociais, as vezes maqueadas de uma suposta atuação social que  só traz algum efeito a uma elite seduzida.  Outro dia um seguidor de uma destas seitas filosóficas me disse: o problema da esquerda é que ela opera sobre uma falsa demanda..haha...nada mais claro: o que interessa a ele é a demanda, ou seja, a clientela. E quem é a clientela dele? Os filhos de papis, aqueles que também somos ou fomos. Nada mais conformista socialmente. E assim, o uso de uma filosofia ou de uma ciência para justificar a venda de uma autoimagem social pode se tornar finalidade primeira de um intelectual. é preciso ter cuidado com estes sedutores da palavra, é preciso ver o que de fato fazem, não o que falam e propagandeiam sobre uma prática elitizada que pode chegar ao ponto de usar pessoas com necessidades especiais. Você não vê estes dom juans da palavra atuando regularmente na periferia, a clientela é sempre outra. Mas por que, se o discurso categórico (com nomes de conceito bonitos) a respeito do social é tão eloquente? Decidi parar de ir ao Capão por morar longe, mas lá via de tudo , mas com a diferença de que havia também gente de verdade, atuando de verdade, para as pessoas que precisam de verdade. Não gente vendendo autoimagem e iludindo a própria elite intelectual a que pertencemos. Em BH, a ação era bem mais efetiva, pois era morador do bairro e não havia a sensação ruim de ser o estrangeiro dando aulas gratuitas na comunidade. Essa é uma dificuldade que sinto aqui em SP.  Mas nesses lugares não há categorias, você não é um nome com adjetivos de carreira etc. Você pode ser de fato um agente local de uma micro-política e só isto.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Bienal frau...

Sempre acompanho o que o Nuno Ramos faz, pois sempre gostei e achei um artista forte, tanto pelo que escreve como pelo que faz em artes plásticas. Mas na última bienal, a sua mega-instalação de urubus é realmente muito pobre.
Ela não sustenta o belo discurso que ele faz para justificá-la. Sempre acredito que uma obra
de arte deve ficar de pé sozinha, sem os ditos e não-ditos. Diante das edificações enormes de concreto
não senti nenhum ou qualquer interesse ou força, e diante do som de Caetano Veloso, não vejo o que pode ser mais banal, com tanta grana envolvida. Esse é o Brasil B que ele quer mostrar? Gaste menos e faça pequenos quadros. Sinto pela queda brutal na produção de um excelente artista.
O que salva a mostra chata é a Pacavoa do Nelson Leirner, Cinthia Marcelle, dentre poucos outros.
O formato e a luz é ruim e é muito difícil sentar para assistir tantos vídeos...

domingo, 10 de outubro de 2010

Luiz Ruffato, escritor

um prazer enorme foi poder conhecer o trabalho do escritor Luiz Ruffato, através do livro:
estive em Lisboa e lembrei de você.  Se o livro de fato peca pela forma, muito pouco elaborada, 
ganha muito na qualidade da expressão, no seu presente contínuo tão expressivo. 
Muitas vezes, me identifico mais com este tipo de fluxo nas peças musicais que faço, 
com a importância da força viva, expressiva e contínua do presente, 
mais do que com um grande arco ou estrutura narrativos, 
com uma trama mais complexa ou cheia de níveis e passagens. 
As vezes, a maior qualidade de uma leitura e de uma escuta está mesmo no puro fluxo, no êxtase 
do momento...mesmo que a arquitetura não seja boa. as vezes, é mesmo melhor valorizar 
uma forma-ameba fluida, muito mais do que uma grande construção em forma de templo canônico. 

sábado, 2 de outubro de 2010

música e historicismo

A música tem um especial interesse pelo historicismo. Recentemente, um músico "experimental" babalado, mas cuja música é, em geral,  bastante chata e fraca, disse que hoje não faz mais sentido a figura do compositor, um indivíduo sensível, especial e dotado, e que o que conta é misturar coisas do momento e praticá-las ao vivo. quanto ao compositor especial, ele tem razão. quanto ao trabalho de composição, está redondamente equivocado. Ele é mais um que prega o real time shit: outro frequente sorriso demente do presente...(Mandelstein). Mas muito além da picaretagem, o que é interessante é que mesmo alguém que desconsidera a figura do compositor hoje (sendo que há muita gente criando coisas vivas de fato em composição!), ainda coloca a questão em termos históricos. Isso é engraçado no caso da música. Algo que as outras artes parecem ter deixado há muito tempo, esta preocupação e esta importância histórica do que se faz, este colocar-se na história. Sempre pensei que isto vinha das breguices biográficas dos grandes gênios, mas acho que vai muito além, no caso da música. Penso que vem do fato de ela ser algo tão efêmero, de não ser um objeto que dura no tempo....fico com a hipótese, por enquanto.

domingo, 8 de agosto de 2010

deleuzianismo: por fora bela viola...

Lendo Deleuze sobre música, podemos perceber um certo besteirol transcendental,
 o qual privilegia a música sobre a pintura. A música atuaria na imaterialidade,
no campo da "intensidade pura, da textura desencarnada (tempo e onda sonora),
não tendo "espessura"". A linha nela "é filogênica", um phylum maquínico
passa pelo som, ponto de desterritorialização. O som nos invade,
nos impulsiona, nos atravessa"....Pergunta básica:
 não existe uma materialidade do som e uma virtualidade da pintura?
ou a idéia de materialidade só se afirma através do estado sólido? 
Bem, esta é uma discussão boba também.
O que irrita é a tendência a criar uma estratégia de sedução, ao se esconder atrás de palavras
como "filogenia", sem explicar bem seu emprego, provindo da teoria da evolução. 
 Não há erro ou engano em Deleuze, há sedução. 
E como com todo sedutor, uma hora a máscara da banalidade cai.
O problema maior não está no jargão chique e sedutor. O problema é considerar, por exemplo, o
seguinte : "agindo na imaterialidade dúctil do som, ela (a música) é mais fluida, mais livre e bem
mais eficaz que a pintura, sempre retida de alguma forma na espessura
do material e nos limites do suporte".

Raro ver tamanha generalidade banal sobre pintura, cuja força é justamente se liberar do suporte.
E o suporte da música (insturmentos, computadores, caixas), não se considera?
Em outros momentos ele irá falar disto, o que nos leva a crer que escreve o que convém ao momento
do que quer descrever. Então para que seduzir com generalidades?
O mesmo acontece com a  passagem em que Deleuze cita a frase de Vinteuil, de Proust, em Mil Platôs.
Basta ler um Joseph Jenkins para desmontar o sorvete coloré deleuziano.
Um filósofo conhecido vai se tornando banal por suas generalidades que se pretendem singularidades.

 Os conceitos podem encantar por anos, mas com a dedicação e cuidado, 
percebemos a "forçação de barra" aqui e ali, e o quanto ela é comum, especialmente neste autor. 
Não que não haja momentos de grande criação, ensino e pensamento. Deleuze nunca foi picareta,
como alguns quiserem colocar sem conhecer.
Mas, claro, ainda há o élan mítico em torno de Deleuze (como de outros), uma legião
de seguidores que se consideram deleuzianos, ou 
como diz um amigo, deleuziocratas. Ninguém se pergunta porque não há uma
seita em torno de um Jean-Luc Nancy, por exemplo. 
Como Onfray demonstrou com Freud, o mesmo acontece com Deleuze, Foucault, Derrida.
Eles viram amuletos e objetos de marketing notáveis; em parte, pela sedução do próprio texto, em
parte por seguidores com doses de marketing variáveis.






terça-feira, 13 de julho de 2010

o artista contemporâneo


A Luana, uma amiga, postou isto no blog dela, Diário da Lulu, é muito bom!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

contra-facismo em amos gitai

Ao assistir o filme de Gitai com Juliette Binoche, Aproximação, logo percebemos
a tentação israelense-judaica de se expor como os eternos coitados da história.  Não que
o sofrimento não exista fortemente em qualquer desapropriação forçada do gênero, como a da faixa de Gaza.
Mas mostrar apenas a desgraça de judeus (que supostamente no filme, vivem felizes e em
paz no local...) é bastante ridículo neste caso. Afinal, quem está sendo forçado a não ter uma nação são os palestinos, além de todas as imposições, restrições e boicotes efetuados pelo governo israelense!
Falta justiça em filmes como este, por mais que o cineasta cutuque, muito de leve, a cegueira religiosa e as
políticas de seu povo, como a crítica costuma festejar. O final dramático é emblemático desta constante
figura do judeu coitadinho, o que denota uma espécie de contrafacismo tendencioso.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Música contemporânea e periferia: elitismo inconsciente?




O exemplo mais diveritdo do elitismo da música contemporânea é discussão com compositores a respeito do poder desta música na periferia. Por uma experiência forte a respeito, começo a rir com frequência com a postura dos compositores que dizem que isto é um equívoco, dada uma suposta distância cultural e a tal "violência".
Antes, é preciso fazer uma distinção: a música contemporânea não é tanto uma música burguesa, como muitas vezes se criticou. Ela é elitista e isso é diferente. Por elite, não entendo quem tem mais poder financeiro ou mercadológico simplesmente: mais que representar um bom dinheiro, a elite pode representar um grande capital intelectual, formas de polidez, costumes, medos sociais, repartições sociais via cultura etc. Quem trabalha com periferia costuma se tornar meio tosco aos olhos de quem vive apenas em meio a esta elite: constato isto na minha relação com família e amigos ou colegas criadores. As maneiras de se relacionar mudam e não percebemos bem: é preciso um grande exercício de cuidado; tenho mais medo da elite que dos amigos e alunos da perifa. Os artistas e intelectuais de alto ranking são as pessoas mais amedrontadas para o mundo que eu conheço, do ponto de vista social. Falam, esbravejam, defendem-se, adornam o umbigo, mas a coragem de ação não ultrapassa os bairros ricos ou seu circuito de trabalho restrito e elitizante. E quando há ação num sentido aparentemente abrangente, ela é top-down, em geral através da máquina estatal, com suas válvulas de pressão pouco criativas e altamente mantenedoras das estruturas de contenção social.  Exercício de côrte....ainda com circunflexo elegante.
Muitos artistas, especialmente aqueles com altos cargos estatais, são, na verdade, extramemente acomodados do ponto de vista social. Costumam fazer uma auto-propaganda grande sobre ações socialmente muito restritas ou limitadas. Quando são supostamente abrangentes e supostamente efetivas, elas são parte de uma estratégia anestésica de governo. Você já se perguntou por que as coisas permanecem assim? Com uma visão cima-baixo ou auto-historicizante, elas nunca vão mudar.
O único trabalho concreto que vi transformação é a ação direta e horizontal, local e transformadora de dez  a quinze pessoas, as quais multiplicam a ação para outras pessoas até atingir uma ação social de bairro efetiva. Isto é muito gratificante.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

reinaldo azevedo comete outra injustiça - agora a vítima é Saramago

Cito aqui um comentário que fiz sobre mais um artigo irresponsável de Reinaldo Azevedo, agora sobre Saramago.


"Caro Reinaldo,
apenas gostaria de demonstrar um dos erros deturpadores de sua leitura. Você cita um trecho de Saramago e depois comenta, dizendo que ele "não é o primeiro comunista a achar que a humanidade não tem direito à vida", e cita regimes totalitários e tal. Mas olha o que Saramago diz: Saramago: "Vivemos na violência. Não usamos a razão para defender a vida; usamos a razão para destruí-la de todas as maneiras -no plano privado e no plano público." Logo depois você (Reinaldo Azevedo) comenta: "Saramago não é o primeiro comunista a achar que a humanidade não tem direito à vida." Ele não diz nada sobre achar que a humanidade não tem direito à vida! Cuidado para não deturpar o que lê, em função do que quer defender."

quarta-feira, 23 de junho de 2010

sobre tática esportiva em composição musical

Nos últimos anos, umas das formas mais interessantes que tenho buscado para compor é se valer de esquemas táticos do esporte. A mais simples foi composta com base no esquema do basquete, em que temos armador, ala e pivô. Cada instrumento assume a função por oitenta por cento ou mais do tempo de uma peça.
O armador tem uma maior constância, equilíbrio, ditribui ideias, é uma espécie de espinha dorsal da jogada sonora. Em Jardim Jangadeiro (2008), o piano assume esse papel. O pivô trabalha como conexão entre as outras funções e pega os "rebotes", sendo mais responsorial. O ala é mais livre e inventivo, mais incisivo, mas não deixa de se aliar a um e outro.
Estou agora elaborando uma peça orquestral com esquemas do futebol, o que complica bastante a história.
Quem segue quem, quem se relaciona com quem e como, taí uma metáfora para a composição que me alimenta.

quarta-feira, 31 de março de 2010

pontos e deveres: o regime universitário

Regimes universitários de pontos e deveres.... Talvez o melhor encontro entre Foucault e Deleuze seja a questão da sociedade de controle e seus mecanismos de manejo e contenção de sempre. Como professor, percebe-se rapidamente que o que preocupa boa parte dos alunos é mais o que ele deve fazer, como devedor, do que o que ele efetivamente faz (com as raras excessões que nos deixam vivos). O sistema, do qual como professores participamos sem qualquer força de mudança, é tão perverso, que o aluno em geral busca fazer apenas aquilo que é cobrado, onde o potencial imaginativo é tragado por tendências de consensualidade, onde o potencial criativo é lavado no cumprimento do trabalho orientado. Isto não é culpa nem de aluno nem de professor. Somos impotentes dentro do regime e precisamos viver. Estes mecanismos se reproduzem em diversas esferas: aumento de salário, coordenação e poder com base em estatística e opinião, concursos, eventos acadêmicos, regimes de participação e opinião no interior das instituições, regimes rígidos de signos no interior de estilos e produções, ideais supostamente utópicos reabsorvidos por  este manejo, válvulas de contenção baseada em "soluções de problemas" etc. O que fazer? Faça o seu trabalho produtivo com a maior independência possível, cumprindo o mínimo necessário dentro do sistema, e terá um mínimo de liberdade.  Não ligue para o que grupos reunidos pensam e fazem em relação a você, pois neste sistema de opiniões, pontos e consensos,  vale o lema do Braessens, em mais de dois, não passamos de um bando de idiotas...Produza com este mínimo de independência.

terça-feira, 30 de março de 2010

Karaoke

Um filme da Malásia chamado Karaoke é sinistro, revelador no bom sentido. Ele percorre ambientes sombrios e de pequenas luzes coloridas, sensações de alma comuns a todos hoje. O karaoke poderia ser visto como um reflexo distorcido de uma condição atual: a necessidade de sentir-se como marca de um lugar momentâneo, marca passageira por onde possamos nos sentir parte e todo em algum ponto da vida, bem longe do canto territorial da lavadeira, do canto do trabalho sistemático. Ele funda uma condição diferenciada, uma espécie atual de direito, onde o potencial kitsch é necessário, não apenas suficiente.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Reinaldo Azevedo e o facismo na mídia brasileira

"Foucault é um picareta" - frase emblemática do articulista (e o nome é perfeito) da revista Veja Reinaldo Azevedo, facista de primeira linha. Minha irmã bem lembrou que quando alguém diz um absurdo desses é para chamar para si os holofotes, coisa que consegue comigo e com tantos os que sentem suas injustiças. Ou seja,  Reinaldo Azevedo consegue nos manipular já que  é impossível não querer combatê-lo ou venerá-lo, dado o grau de injustiça que ele promove em várias frentes, graças ao facismo articulado de seus escritos. Um fato interessante é que as críticas ao blog do articulistas são censuradas, e apenas as elogiosas são publicadas.
Algumas de suas colocações sobre governo e política podem ser interessantes, mas o fundo ideológico é permanente, seu psdbismo e no geral, sua irresponsabilidade.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Texto introdutório de um mini-curso - Escuta e Música Contemporânea


A Escuta

Hoje é banal constatar: a música está por toda parte; concertos, shows, em casa, no carro, na rua (graças a múltiplos equipamentos de difusão - rádio, televisão, computador, telefone), mas também no elevador, restaurante, shows de rock de igrejas evangélicas...
Mas o que seria de fato escutar? A música, ou a maior parte dela, atravessou, no último século, as rotas do grande consumo, no que implica inclusive artifícios comerciais e submissão ao domínio técnico. A própria escuta se transformou, muitas vezes modelada por um conjunto de atitudes referentes a uma oferta de entretenimento segmentada por critérios econômicos e sociológicos.
No coração do dispositivo pode residir a escolha do consumidor: o hit-parade, do pop ao barroco. Quando o ato de comprar se eleva à condição identitária, ao modo de viver, o sucesso comercial se torna o modelo estético, a rentabilidade se torna o cânone e a regra, tanto para quem produz como para quem consome. E a necessidade de rapidez do consumo faz da espera atenta um percalço quase incontornável: esperar pode significar arriscar perder uma “fatia” do mercado. Aqui não se escuta, se consome: a música ouvida é um reencontro na área do gosto familiar, como quando pegamos latinhas conhecidas de pomarola no supermercado. Neste caso, a descoberta e a real experiência é bem mais rara, pois a variabilidade e a doação espiritual são ínfimas. A grelha harmônica gasta, a pulsação arqui-previsível, o desenvolvimento minimal, um recorte convencional...
Há também o produto da tecnofilia, onde o que se escuta não é a música mas antes a sua gravidez. Um projeto técnico-comercial pode aqui resumir o projeto estético como o estéreo resumia o espaço em dois pontos laterais. Macluhan, será o meio de fato a mensagem?
Face a algum militarismo da audição, com todos seus curto-circuitos, em que o som reificado cicunscreve todo prazer na onda passageira, só resta duvidar e ter incertezas. Qual o ritmo dos seus passos? É preciso muita confiança para abandonar seus passos e sua respiração nas mãos de outrem, nas mãos de uma obra. Mas se isto nos é dado, o tempo, fluindo em seu próprio curso, parece as vezes iluminar a surpresa de um breve momento, uma fenda no curso habitual dos dias, na graça de uma pausa ou de um suspiro, onde os pés saltam para o ar da arsis,  antes da euforia balanciada da repetição. O tempo também pode se cristalizar em espaço, como em Bach, Webern ou Xenakis, onde a experiência da passagem processual de motivos e seqüências se torna tão vertiginosa quanto uma viagem pela sua curvatura: alto, baixo, esquerda, direita, todos reversíveis entre si. Ou ainda, o tempo interior e íntimo de Cage ou Takemitsu, tempo branco e impávido, destacado de uma linha, potencialmente orgíaco.
Para escutar, é preciso estar em silêncio. Silêncio dos órgãos na capital da cura, diria Michal Serres. Silenciar em si os desejos e as expectativas. Qualquer resistência é inútil. Esperar, à mercê, submisso, disponível, mas sempre alerta. O pavilhão e o nervo auditivos sempre foram os melhores amigos do predador insaciável e da presa vigilante. Arcaico sentido, imemorial, ativado antes mesmo de nascermos. E de onde virá este medo do cavalo de Tróia? Seu paradoxo é acolher o desconhecido, a partir da surpresa da chegada do outro ao nosso forte mais íntimo. A escuta só cabe aos fiéis desta espera inicialmente passiva, ao consentimento, com algo que vem da humildade, da hospitalidade, da sensualidade, atenriores ao empréstimo dos ouvidos à ação de uma música.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Meia-homenagem a Rohmer

Ontem fui assistir o Conto de inverno, de Eric Rohmer. Sem dúvida, conhecido como um grande mestre do cinema francês, recentemente falecido, foi também um dos maiores musicólogos da história, na minha opinião. Talvez justamente por não ter a rigidez acadêmica do profissional no assunto, tratou Mozart, Beethoven, dentr e outros, com idéias novas e fascinantes, com o frescor de quem escuta profundamente, não apenas ouve.
Confesso que saí no meio do Conto de Verão, foi impossível assistir: é difícil não achar chato, dado tantos diálogos existenciais pretenciosos. Mas o Conto de inverno, graças a sabedoria de um amigo que me arrastou, me fez sentir a sutileza com que ele opera o comportamento das personagens. Apesar do "discutir a relação" contínuo que os franceses adoram, o que ele mostra, no fundo, é que mesmo o mais decente, honesto e justo dos seres humanos (no caso, a professora de filosofia),  tem sempre  um momento de egoísmo básico em relação às possibilidades amorosas, mais hora, menos hora. No caso, a maestria é deixar esse momento da nossa heroína-em-náusea para a penúltima cena. Viva Rohmer e apesar do meu desgosto, é preciso saber reconhecer: com ele encerra-se mais um grande traço do existencialismo.

domingo, 3 de janeiro de 2010

wonky, pastiches, pastéis e capitalismo

Depois de ouvir algumas pretenciosas novidades em música eletrônica popular, fico me perguntando uma série de coisas sobre o conceito de wonky, por exemplo, dentre muitas bobagens possíveis. Claro, meu marxismo fora de moda é sempre antipático. Talvez pareça haver aqui uma frouxidão e inclusividade estética, do Rave, ao Dustep, G-funk, Hip-hop mais sofisticado, Crunk, IDM, pop, e mil outras categorias. Mas é preciso dizer: o wonky e outras práticas têm um lado interessante e positivo, pois ele parece operar como um agente transgenético sobre as categorias "fossilizadas". O fato de operar em vários andamentos nos tiraria um pouco da tirania do loop banal (claro, em grande parte doce ilusão...a função continua ali hegemônica, e quando é supostamente mais "experimental", a moldura facista do recorte hipnótico não é nunca totalmente retirada...retorna invariavelmente para capturar a escuta e aprisioná-la como de costume, sem gerar "ruído" verdadeiro, no sentido da comunicação). Já o lado politicamente correto da inclusividade inclui uma valorização da internacionalização, produtores de múltiplos países etc, o que pode ser visto positivamente...kkk. Mas voltemos um pouco ao ponto:
wonky...como conceito, é bem interessante...pode indicar tanto desquantização de baterias, como outras coisas, synth em pitch bend, elaboração mínima do baixo para além do mais óbvio etc.  Há uma idéia de fazer parecer um derretimento de solidificações, fluidificação, texturas alongadas mas fugidias, como a do capital que o espalha...mas veja: sempre com um certo mito do "deslocado", do "fora de lugar", "fora de tom" (na verdade, com sons e feições ultra pasteurizados e bombardeados!), com afetações paródicas de estilo, nostalgia psíquica, algo que já foi bem analisado na discussão do "pós-moderno". Incrível é não enxergar as práticas repetidas desde os anos 60 pela milésima vez neste tipo de atitude estética, ou mesmo de qualquer surrealismo musical bem anterior, as tais gastas sopas de "significantes de futuro e de passado". Mas ponto central que encontro aqui: talvez o wonky e outras práticas "musicais" banalmente comuns de hoje indiquem o duplo mais próximo do capitalismo atual, uma forma clara de sua expressão: desejo de uma fluidez sem raízes "fixas" (aparente, evidentemente), o horror do masturbaton coletivo (ou seja, a filosofia do "tocamos junto sem fazer amor, o que vale é a auto-expressão no coletivo, pois "somos desapegados e livres"), e, claro, a manipulação de arcaísmos estruturais e de sentido, baseados em significantes "referenciais", sob um formalismo forte, e o uso da nostalgia alienadora que se traveste de falsa subversão de modismos precedentes.
o velho e caquético marx volta aqui, obrigado sempre, mas socorro meu véio...como fugir desses muros?
fazendo amor sonoro, o de verdade, e bem mais raro...raro até mesmo na música contemporânea oficial.
mas claro, sempre aparece um sparkle, um bolhazinha de experimentação surpreendente que voa para fora dos infernos... e é isso que buscamos nessas escutas...viva a música de múltiplas formas, mas com consciência da função que exercem na tal sociedade de controle....