quinta-feira, 19 de setembro de 2013

berio vitae

Um amigo romano me contou essa história: ele estava almoçando no restaurante moderninho da citadela da Música romana recém inaugurada, quando avistou Luciano Berio numa mesa ao lado. Ao sair, o músico esqueceu seu cachecol, ao que ele reagiu vergando o corpo em direção a ele: "Maestro, maestro...!, como Adão em direção a.... Berio. Ele retorna, toma o cachecol, enrola ao pescoço e sai magistralmente empinando o nariz...Que lindo! Cena da vida cotidiana que os livrinhos chiques de falso esquerdismo nunca vão contar.

domingo, 4 de agosto de 2013

concursos falsos - já fiz dez deles (apenas dois justos)


belo artigo,depois de tantos concursos tentando ser totalmente independente do processo,

a coisa mais caricata que vi é a recaída dos que criticam o patrimonialismo e o salvacionismo, sendo estes, atores fundamentais destas tradições execráveis na cultura do país. 


Homo lattes

Problemas em concursos para professores são reflexo da estrutura produtivista e burocrática das universidades públicas nacionais

Por Sérgio Bruno Martins

Em artigo publicado neste caderno na semana passada, o professor Angelo Segrillo toca num ponto delicado: os processos de seleção para professores em universidades públicas. Trazendo a público um “segredo de polichinelo”, ele relata que não é raro acontecerem concursos claramente “arranjados” para favorecer candidatos ligados a grupos específicos e outras artimanhas do gênero. Contra esse quadro patrimonialista, sugere Segrillo, o ideal seria aproveitar o atual clima de insatisfação “com todo tipo de corrupção no país” para se propor mecanismos mais transparentes, impessoais e padronizados; uma possibilidade aventada é a criação, pelo Ministério da Educação, de uma comissão independente para este fim.

Concordo integralmente com Segrillo a respeito da necessidade de enfrentar abertamente essa questão. No entanto, creio que o enfoque na corrupção perde de vista sua dimensão mais fundamental: a estrutura acadêmica da qual o atual modelo de concursos públicos faz parte. A ênfase na moralização dos concursos não só deixa intocada tal estrutura, como tende a reforçá-la; é como se nada em seu cerne merecesse crítica, faltando apenas azeitar melhor a máquina através de um controle mais rigoroso das pessoas que nela operam. A palavra de ordem é impessoalidade. Mas será que tudo realmente se resume ao erro humano? E será que tamanha padronização não ameaçaria a diversidade de universidades e departamentos? Não seria o caso de dar um passo atrás e recolocar o problema dos concursos num contexto mais amplo?

Em linhas gerais, o modelo de conhecimento que rege a universidade pública no Brasil hoje pode ser descrito como produtivista e objetivista. Produtivista porque enfatiza a produção constante e abundante, sobretudo na forma de artigos em revistas indexadas. Objetivista porque toda essa produção é qualificada de acordo com uma escala pré-estabelecida de categorias e assim traduzida em pontos. Eis o dogma deste modelo: todo dado qualitativo será redutível a termos quantitativos. E eis seu corolário: o valor de um pesquisador será determinado, de forma análoga, pela soma dos pontos marcados pela sua produção. Nasce assim o Homo lattes, um produtor de conhecimento determinado por toda uma estrutura que não cessa de lhe dizer: “quanto mais, melhor”.


Objetividade enganosa

Numa banca de seleção, isso leva com frequência à seguinte cena: ao invés de ler, analisar e discutir o mérito e a pertinência de um conjunto selecionado de trabalhos de um determinado candidato para a vaga que se quer preencher, o que os examinadores fazem é somar os pontos “contidos” em seu currículo completo (numa aberração adicional, o candidato é obrigado a enviar de antemão um volumoso dossiê de documentos comprovando a autenticidade de todo e qualquer item listado em seu currículo; no trato com a burocracia, o que vige é a presunção de desonestidade). Estranhamente, o que a banca lê durante o concurso não são textos produzidos no dia a dia da pesquisa, mas uma prova com ponto sorteado na véspera. Nesse insólito vestibular para professor, o que é efetivamente avaliado é o desempenho do candidato em condições extremamente tensas e adversas (o que, nos dias de hoje, inclui escrever de próprio punho), e que não se assemelham a nada com que ele vá lidar profissionalmente caso seja selecionado. Somados os pontos (sempre eles...) de todas as etapas do processo, está escolhido, de forma supostamente objetiva, o futuro professor.

O Homo lattes tirando uma pilha de fotocópias comprobatórias e o professor convidado a contar pontos em currículos inchados nada mais são do que duas imagens extremas — mas tristemente normalizadas, porque corriqueiras — do que a academia está se tornando sob os auspícios do produtivismo e do objetivismo. Que formação intelectual pode advir desse contexto? Que ética do conhecimento está implícita aí? Que espécie de saber se pode esperar desse acadêmico burocratizado? Queremos acadêmicos conformados ao que já se conhece, ou capazes de abrir perspectivas críticas e científicas?

É sobre perguntas como essas, e não apenas sobre remédios para a corrupção, que o problema dos concursos deve nos fazer pensar. E, dito isso, vale perguntar também se o patrimonialismo de que fala Segrillo é de fato um defeito pontual no sistema, ou se ele não é em certa medida um produto deste. Afinal de contas, não há álibi mais perfeito para os que conhecem bem os meandros burocráticos e os meios de manipulá-los: a escolha do professor, por mais enviesada que seja, estará sempre legitimada de antemão pela suposta objetividade do processo. Não seria mais interessante abandonar esse mito da objetividade de uma vez por todas e buscar transformar os processos de seleção numa oportunidade de cultivar discussões consequentes a respeito dos rumos de um determinado departamento ou universidade? Será que todo argumento subjetivo deve ser banido da discussão sob suspeita de ser necessariamente escuso? Não é possível imaginar que uma discussão menos mediada por rankings e pontuações possa ter o benefício justamente de trazer à luz as disputas intelectuais e políticas que acontecem e vão continuar acontecendo? Melhor que tentar debelar tais disputas é torná-las parte de uma dinâmica acadêmica mais organicamente engajada com os rumos das universidades.

Assim como o que está em jogo nas manifestações atuais não é simplesmente a corrupção, mas sobretudo uma crise na própria estrutura da democracia representativa (da qual a corrupção é provavelmente um dos sintomas), o problema das universidades também não pode ser reduzido aos desvios de conduta de grupos e indivíduos (que, quando ocorrerem, devem evidentemente ser punidos). É verdade que uma mudança estrutural desse patamar em nossa cultura acadêmica pode parecer com uma montanha a ser movida. É verdade também que isso envolve certas questões que extrapolam o âmbito da universidade (por exemplo: até que ponto é possível resguardar a singularidade profissional do professor universitário em meio às leis que regem o funcionalismo público?). Porém, e creio que aqui estou novamente de acordo com Segrillo, o silêncio certamente não serve ao interesse comum.

Sérgio Bruno Martins é doutor em história da arte pela University College London

quarta-feira, 12 de junho de 2013

academia actuarial

Nos meios acadêmicos, é comum a autoridade virar autoritarismo. Isso não é nenhuma novidade. Falo apenas de um lado do processo; o acúmulo de trabalhos baseados numa noção consagrada. Isto não seria problema se revelasse alguma coisa sobre a mesma noção ou sobre seu contexto, digo, o bom trabalho de um bom scholar. O problema está em se valer dela como forma autoritária de entendimento justamente para não precisar pensar, muitas vezes num processo de auto-bajulação e deslocamento. Muitos trabalhos trazem esta noção consagrada no título (seja por alusão, seja explicitamente), como uma forma de garantia do seu estatuto de erudição (em geral, aplicando-se a um caso particular) e não como exercício de pensamento. E ao ler a grande maioria dos trabalhos, notamos que nada de fato foi pensado, apenas a ideia de chancelar a própria mediocridade através de relação banal, valorizando assim uma atividade muito mais actuarial, muito comum hoje em dia em função da contagem produtivista.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Comento um vídeo sugerido por um aluno: "Fedão, o revolussionário".


Quando consideramos a forma como a ideologia funciona atualmente,
seguindo um pouco o que o Zizek fala, com base em cinismo camuflado, sem dúvida
encontramos em coisas bem intencionadas e simpaticamente caseiras algo extremamente equivocado
que acaba por sustentar ainda mais a forma de pensamento ideológico dominante (o cinismo irônico das ideias dominantes a respeito de liberdade de escolha (como aparência), dinheiro e atitude).
Que o valor do vídeo seja a crítica a um esquerdismo riquinho e ideológico, que ele
mostre que no fundo o que todos desejam é apenas dinheiro, status e mulher gostosa, com
algo que se pretende humor inteligente, é uma forma tosca de morrer na própria praia do liberalismo.
Por que? Se todos somos cínicos e devemos aceitar tal condição, o que estaremos
fazendo para mudar alguma coisa? A ideologia funciona perfeitamente, ela nos enreda.
Estaremos, através do cinismo, apenas perpetuando uma pseudo-crítica aos valores
ideológicos mais exteriores, muitas vezes esquecendo de alvejar a ideologia (de "direita") escondida
por trás deste cinismo dominante, vangloriando a aparência da livre-escolha. Muito da comédia que se faz hoje é, na verdade, tragédia ideológica.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

sexta-feira, 25 de maio de 2012

uma das sesnetas do novo livro a vir...


canto 2 - subterrâneo


sobre o teu cactário, uma pedrinha esbranquiçada repousa
estudamo-la sem nenhum saber fitoquímico avançado
a sombra projetada angaria a terra que não mais revolve
o grão de centeio estrangeiro enobrece algum dano moral
nessa garganta sem grito nem afta dos vasos e dos canteiros,
mudas surdas, estúpidas e inertes, repousam em folhas de açaí

sob avencas dorminhocas, os passos sombrios de um jabuti
lento caminho seco no terraço cheirando à cenoura
improviso idealizado na franca mitologia dos mosteiros
onde passo de morcego não fabrica mais o magistrado
à sombra das faíscas, mímicas livres de um outro bananal
fatiam o sol em fraturas mais velhas do as que o mito dissolve

barcos cansados do mar com asas, velas que o ar sempre volve
espalhados na planície de freqüências do ante-penúltimo siri
o entorno da poça esquecida nos pratos de um antigo castiçal
clama por outro sorvete fresco na prece da romaria vindoura
se acaso a sentinela dos eixos instituídos pelo cravo mais encravado
for mais viril que o leilão oferecido ao mascate dos novos morteiros

Charles, escoteiro mirim,  nas colinas sonoras de ventos e vespeiros
amolecendo salmos crispados com fetiches de autores em molde
chega à terra com os laços de fita de um Armarinho encalacrado
ao pedir algum troco mais doce pelos cantos e vales de um por aí
ou trocar rubricas de clara em neve nas cabines da manjedoura 
enquanto os áuspices defendem cesárias dos partos de via normal

a cerda parda não ferra cavalo na refinaria de algum honesto sal
ginga macia e suave na resistência oculta dos santos formigueiros
abranda infantil e  docemente um tijolo do poço em salmoura
tingindo de branco o vazio dos vermes que o jarro das fases envolve
inerte expoente,  lambida analítica, estátua tipográfica em língua tupi
estante de prazeres pesados no osso dos muros por cal acorçoado

Parnaíba em parênteses por corações em frágil tessitura e fardo
linha de frente dos calores e temores nas franjas de um tálamo abissal
fome recoberta das salas com finas telas que projetam algum guarani

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

face capital

tenho enorme dificuldade em entrar no facebook, ao contrário da maioria das pessoas
e de sites anteriores e blogs.
já tinha percebido que o fluxo de informação é como um capital, mas nunca 
tinha certeza até ler sobre o valor de exposição de Benjamin. diferente
do valor de uso e do de troca, o de exposição talvez seja o mais desenvolvido
na nossa época como capital, dada as facilidades comunicativas.
o fato de ser algo que vai rodando continuamente transforma o conteúdo
em capital mais facilmente.
vejo pessoas bem intencionadas recomendando esse valor  que eu mesmo não busco.
quando nos contentamos com muito trabalho e pouca projeção, tudo fica mais tranquilo.
fato é que esta exposição acaba te valorizando, mas pelo que vejo, gera muita
cegueira e narcisismo também.