sexta-feira, 15 de julho de 2011

letra de canção ingênua- sensibilidade intensa


A banda canadense de rock Arcade Fire, agora bem sucedida, me fez pensar sobre o que sentem por entre as suas palavras. Velha pretensão paternalista de alguém mais velho de procurar interpretar? Talvez. Quando somos um pouco mais velhos que a idade do fogo arcádico dos vinte e poucos anos, ficamos um pouco mais analíticos e menos empolgados sobre o que expressamos, como quem olha um pouco de fora da curtição, mas sente algumas de suas potências de vida da mesma forma. Na verdade, as vezes não há antena melhor sobre o que vivemos do que o que fazem os de vinte e poucos: um olhar menos vestido, mais puro e imediato, que sempre traz outros ângulos de visão das coisas, muito mais através dos intervalos entre o que dizem do que no que dizem. Não por serem o futuro nem o presente de uma sensibilidade nomeável ou o foco principal de atenção do capital, como muitos já teorizaram. Mas, simplesmente, por sentirem nosso momento de uma maneira mais direta e ingênua mesmo, e muito coisa se torna observável mais pela sintaxe levemente desconexa de sentido e nas entrelinhas do conteúdo do que no próprio significado mais banal das letras.
Como aconteceu com bandas como Radiohead, algo me fez pensar no que diz a canção The Suburbs, na sensibilidade da moçada legal do Arcade Fire. Sem qualquer tentativa de interpretação em tom de pós ou alta modernidade, nem falar pela milésima vez da ótimo sensação retrô que o som traz, vale aqui apenas mencionar algumas frases da canção para jogar conversa fora.  A letra fala de uma guerra imaginada entre garotos de família num subúrdio, uma grande brincadeira à la Os meninos da rua Paulo. Mas aqui, para o que pode acontecer de mais intenso (bombas), a constatação é de que “já estavam entediados” quando as bombas  chegaram. Tudo do presente mais intenso já é sentido (sempre) como passado. Na década de noventa, o tédio também era uma marca das letras, mas ele não parecia ser vivido sem a presença, mesmo  que bem dopada ou dormente, de um corpo anestesiado que quer ter controle e vida boa. Para além da transformação do subúrbio, antes visto como de classe media-baixa  ou local perigoso, e agora de brincadeiras sonhadas de famílias de classe média ou alta mais pacificadas, o sentimento de que o que acontece agora já passou é deslocado novamente. Se antes eu, ainda jovem, queria ter uma filha antes que fosse tarde demais para mostrar a beleza, antes da “chegada dos danos” (típica imagem de uma sociedade sem luta real alguma...), nem mesmo isto agora é possível. O sentimento de tédio dá um passo além. Segundo a música, querer uma filha é pedir demais. Ora, o que isto poderia querer dizer? E conclui de forma também ingenuamente hilária, numa impotência ao quadrado, senão ao cubo: “então, me envie um filho”. Por fim, “nos meus sonhos, ainda estamos berrando, berrando....”.
Claro que ninguém deve achar alguma verdade fundamental da existência atual a partir de letras banais de uma banda do momento, mas acho que muita coisa pode ser pensada a partir destas letras e de sua construção, justamente por serem assim. Talvez o simples fato de procurar uma rima com as sensações mais ingênuas da idade as vezes  leva a camadas mais básicas de captação do nosso momento e da forma como sentimos e vivemos, pois ali o vivido aflora de forma menos mediada ou distanciada.